BANCOS DE SEMENTES

BANCOS COMUNITARIOS DAS SEMENTES DA RESISTENCIAS

Desde começos da humanidade, agricultores e especialmente agricultoras, tem conservado, selecionado e melhorado sementes, dando origem a uma grande diversidade de cultivos e variedades utilizadas na produção agrícola.
Os camponeses e camponesas de todo o mundo têm sido desde sempre os principais responsáveis pela manutenção da biodiversidade de cultivos, mantendo variedades adaptadas a diferentes regiões, por gerações.
Lamentavelmente, hoje em dia está se perdendo grande parte desta biodiversidade devido a as sementes tornarem-se uma mercadoria, nas mãos das multinacionais, gerando um grande negocio que produz muito lucro.

Com a “Revolução Verde” a produção agrícola no Brasil passa a depender de insumos externos. Agroquímicos e maquinaria agrícola se fazem cada vez mais comuns no meio rural, gerando tal dependência no agricultor que muitos deles esqueceram como produzir sem eles.
Hoje acontece na nossa frente a segunda fase da “revolução”, onde as multinacionais expandem cada vez mais seu controle na produção e comercialização de sementes.

Esse processo de perda do controle das sementes por parte dos agricultores começa com o desenvolvimento das sementes híbridas e chega o seu cume com o surgimento das sementes transgênicas com suas políticas de royalties e a perda de seu poder germinativo. (Via Campesina, 2002).

Os bancos comunitários de sementes em alagoas surgiram no inicio da década de 80, animados inicialmente pelas comunidades eclesiais de base (CEBs) a partir da forania o alto sertão (fórum de paróquias da igreja católica atuante naquela época). Naquele momento histórico se debatiam as questões relacionadas ao acesso a terra, água, fome, efeitos das barragens hidrelétricas entre outras.
Foi neste cenário que surgiu o primeiro banco de sementes de que temos conhecimento em alagoas. Na comunidade Tabuleiro, município de Água Branca, lá um grupo de mulheres lideradas pelo frei Afonso fizeram uma coleta de sementes onde cada uma doou entre 1 a 5 quilos de sementes que juntos, deram origem a uma roça comunitária, e esta por sua vez, deu origem ao primeiro banco comunitário de sementes. A partir desta experiência, foram mobilizadas várias outras comunidades e constituídos outros bancos que formaram em 1992 o BACS (Banco de armazenamento e comercialização de sementes), o mesmo veio mais tarde em 1996 a transformar-se na COPPABACS (cooperativa de pequenos produtores agrícolas dos bancos comunitários de sementes) com sede em Delmiro Gouveia.
Quando constituída a ASA entre 1999 e 2001, outras organizações passaram a adotar experiências semelhantes e que hoje congregam a rede de bancos de sementes nas dinâmicas e instancias da ASA Alagoas.

Para entendermos melhor vamos entender o que vem a ser de fato os bancos comunitários de sementes, e para isso é importante que façamos uma reflexão sobre estas três palavras que forma esta expressão bancos comunitários de sementes (BCS):




SEMENTES
Segundo o dicionário Aurélio, semente é qualquer substância ou grão que se deita à terra para germinar / O grão ou a parte do fruto próprio para a reprodução / Esperma, sêmen / germe, origem, ... / Ficar para semente, ser reservado ou escolhido para a reprodução.
Segundo o Sistema Nacional de Sementes e Mudas, semente é o material de reprodução vegetal de qualquer gênero, espécie ou cultivar, proveniente de reprodução sexuada ou assexuada, que tenha finalidade específica de semeadura.

SEMENTES CRIOULAS (DA RESISTENCIA)
Sementes crioulas são aquelas que não sofreram modificações genéticas por meio de técnicas, como de melhoramento genético. Estas sementes são chamadas de crioulas ou nativas porque, geralmente, seu manejo foi desenvolvido por comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caboclos etc.
Contudo, semente crioula ou nativa não é apenas semente e sim tudo aquilo que o agricultor usa para multiplicação e produção de alimentos a exemplo de batata, palma forrageiras, mandioca, pequenos animais entre outros. A semente além de ser um alimento, representa muito mais, pois retrata a cultura de cada comunidade, já que é por meio da alimentação que a cultura e o modo de viver de um povo mais expressa.

COMUNIDADE
Estado do que é comum; paridade; comunhão, identidade: comunidade de sentimentos, ... / Sociedade submetida a uma regra comum, baseada no consenso espontâneo dos indivíduos que a constituem.
BANCO
Assento estreito e comprido de madeira, ferro ou pedra, com encosto ou sem ele, ... / Comércio. Empresa que adianta e recebe fundos, facilita os pagamentos por meio de empréstimos, realiza quaisquer transações de valores.

BANCOS COMUNITÁRIOS DE SEMENTES DA RESISTENCIA
Podemos concluir então, como um espaço de organização de agricultores e agricultoras camponeses, que, em comunidade discutem sua problemática e buscam por alternativas de convivência com o semiárido, por políticas públicas direcionadas e contextualizadas à suas realidades, entre elas a questão da semente. Mas, não só isso, o banco de sementes é também um espaço de guardar, depositar, poupar, para num momento futuro retirar. Ou seja, uma poupança que garante a semente crioula na época certa do plantio, sementes estas, que, tem uma história, uma ligação com o lugar e seu povo, adaptada àquele solo, resistente a variações climáticas, produzidas e armazenadas sem o uso de agrotóxicos, herdadas de avô para filhos e netos.
Não devemos, portanto, imaginar uma comunidade organizada em torno dos bancos de sementes sem tratar de outras questões que envolvem a vida em seu entorno, tais como: a produção de alimentos seguros sem uso agrotóxicos, tecnologias de captação de água das chuvas e seu uso adequado, de práticas agroecológicas que previnam e combatam os processos erosivos de degradação ambiental fatores causadores da desertificação, a educação pautada da realidade local, o resgate das culturas tradicionais, o debate sobre direitos e deveres entre homens e mulheres, envolver a juventude nos espaços organizativos, e principalmente, reconhecer a importância da semente da resistência como elemento aglutinador dos vários outros temas a serem abordados na comunidade.

GESTÃO
Ação de gerir. / Gerência, administração. // Gestão de negócios, diz-se quando uma pessoa administra os negócios de outra, por eles se responsabilizando solidariamente.
A gestão dos bancos comunitários de sementes é geralmente feita por uma comissão formada por agricultores sócios, eleitos pela maioria para coordenar os trabalhos de mobilização da comunidade, controlar as retiradas e devoluções das sementes antes e depois do plantio, controlar a qualidade das sementes recebidas, fazer os registros por cada sócio em livro apropriado, a quantidade de sementes retiradas e devolvidas bem como qual a variedade.
Existem experiências onde os sócios fazem uma roça comunitária, na qual um agricultor disponibiliza uma área de sua terra, outros fazem a preparação do solo, aração, plantio, limpa e colheita. O resultado da roça é utilizado para envolver novas famílias, ou, fazer uma reserva, comprar algum equipamento de uso coletivo, ampliar o salão etc. e outras experiências que preferem a dinâmica de após a colheita, devolver a semente tomada com um acréscimo que varia de 10 a 50% de acordo com a particularidade de cada grupo. Os Bancos comunitários mais antigos criaram um regimento interno que estabelece as normas a serem cumpridas pelos seus sócios entre outras questões relacionadas aos bancos de sementes.


SEMENTES X POLITICAS PUBLICAS

Nos últimos anos várias organizações da sociedade civil vêm travando uma longa batalha em torno das sementes nas várias instancias, principalmente no debate das sementes transgênicas.

Houveram alguns avanços a nível nacional, no que diz respeito ao reconhecimento das sementes crioulas, na aceitação das mesmas no uso de programas governamentais, inclusive, no direito ao crédito para financiamento agrícola com uso de sementes crioulas. Por outro lado, as multinacionais avançam e pressionam o congresso pela liberação das sementes transgênicas, por leis que limitam cada vez mais os direitos dos agricultores em produzirem suas próprias sementes.

Em alagoas tivemos alguns avanços que merecem destaque tanto por parte do governo federal através de programas territoriais que aportam investimento em infraestrutura a partir da proposição das organizações que fazem a asa junto ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Outra ação significativa tem sido os programas executados pela CONAB a exemplo da compra direta da agricultura familiar que visa a garantia de preços mínimos, e do programa de compra especial de sementes crioulas para formação de novos bancos comunitários de sementes.

Quanto ao governo estadual, a ASA tem discutido com a Secretaria de Estado da Agricultura (SEAGRI), juntamente com outras organizações e fóruns como os colegiados territoriais, a fetag, os movimentos de luta pela terra e reforma agrária. Em 2006 houve um debate em prol de uma lei estadual, o que veio a culminar em uma sessão especial para debater o tema com os deputados estaduais em 2007, e mais tarde em 03 de janeiro de 2008 é aprovada a Lei 6.903 que dispõe sobre o programa estadual de bancos comunitários desmentes, a partir daí, abre-se o dialogo com o estado sobre a necessidade de um programa que fortaleça os bancos de sementes já existentes e baseando-se nestes, sejam constituídos novos bancos em novas comunidades. Porém, defendermos que para isso seja garantido a compra de sementes da resistência, apóia na melhoria da infraestrutura das comunidades juntamente com um sistema de ater que atenda aos anseios e necessidades da agricultura familiar camponesa agroecológica..



DESAFIOS

Diante dos avanços e das ameaças postas, temos que repensar sobre quais modelos de bancos de sementes queremos ou temos para atingirmos e garantirmos o que temos pautado junto aos governos federal e estadual.

Não basta, apenas, termos grandes volumes armazenados, distribuir sementes na época do plantio e armazenar depois da colheita. É necessário trabalharmos a qualidade, a diversidade, a seleção, o resgate de variedades extintas, é preciso nos organizar de tal forma que possamos garantir a segurança alimentar em nossas comunidades, que tenhamos capacidade de produzir sementes crioulas, porém, com qualidade e padrões mínimos, para de fato garantir que o estado compre as sementes da resistência aos agricultores e agricultoras camponeses.

Outro desafio está no campo dos transgênicos, não dá para pensar numa agricultura sustentável, na preservação das variedades crioulas, na autonomia da agricultura camponesa, sem pensarmos na garantia de áreas livres dos transgênicos, num estado livre dos transgênicos, pois, o simples fato do agricultor não plantar transgênicos, não dá a ele a segurança de uma produção segura, já que, se um vizinho plantar sementes transgênicas poderá contaminar as sementes crioulas do outro vizinho e desta forma, eliminando as sementes da resistência e deixando o agricultor refém das grandes empresas.

Para tanto, faz-se necessário, nos organizar cada vez mais, se aprofundar no tema, ampliar o debate para além de nossas organizações, buscar parceiros que contribuam com a articulação, conhecer experiências êxitosas e aplicá-las em nossas comunidades.





Mardônio Alves da Graça

Coordenador Executivo

ASA - COPPABACS
SEMIÁRIDO ALAGOANO